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O espaço escolar como criação e crescimento

Este trabalho constitui um estudo voltado para a intervenção em crianças, visando a fortalecer sua “saúde psíquica”. Tem objetivos teórico-práticos que abordam a discussão das hipóteses levantadas por alguns autores, que utilizam o brincar como forma de prevenção em saúde mental. Nosso propósito nesta pesquisa foi introduzir na realidade educacional a utilização de brinquedos com finalidades pedagógicas e profiláticas, para promover a evolução da criança.

No presente trabalho apresentamos técnicas facilitadoras para o processo da aprendizagem, por meio de atividades lúdicas, em crianças da primeira série do ensino fundamental, com o objetivo de favorecer a evolução psíquica e o seu desenvolvimento.

Nossa preocupação primordial consistiu em introduzir na realidade educacional a utilização de brinquedos com finalidades pedagógicas e profiláticas, para recuperar com o lúdico, a energia vital da escola, dos professores e dos alunos.

A origem desta pesquisa situa-se no trabalho que desenvolvemos em supervisão e formação de profissionais que atuam na área escolar, com crianças e adolescentes portadores de distúrbios de comportamentos (agressividade, falta de concentração), expectativas frente a uma situação nova (mudança: de série, de professores ou de período), falta de motivação, fobias, apatia, ansiedade elevada, inseguranças. Essa atuação nos apontou a necessidade de trabalhos, que possam contribuir para intervir na realidade escolar.

Percebemos os nossos limites como psicólogos clínicos, a restrição no campo social para o trabalho, mas o desejo de ampliar a técnica reichiana num campo social, que é a realidade educacional, na qual a criança passa muitas horas de seu dia, motivou o enfrentamento do desafio.

Em nosso trajeto de atuação clínica, percebemos mediante o contato com os professores, a sua carência de conhecimentos para atingir o psiquismo da criança e, ao mesmo tempo, percebemos na prática clínica a necessidade de trabalhos que possam favorecer crianças que atualmente não podem frequentar clínicas, mas que necessitam organizar seu mundo interno para que alcancem as metas do aprender.

Muitas crianças da primeira série, já se encontram alfabetizadas, mas castradas no seu desejo do brincar. É um corte abrupto, na sua infância, de um desejo tão necessário em troca da aquisição do simbolismo da leitura e da escrita, efetuado de forma massacrante.

Em decorrência desse processo se pode constatar a desmotivação da criança para a escolaridade, assim como quadros de fobias, mais acentuados em determinadas escolas, como agressividade e outras queixas que perturbam intensamente o cotidiano da criança.

Nossa proposta de trabalho está norteada por pressupostos reichianos, baseando-se no conceito da fórmula da vida, associados a conceitos simbólicos e significados dos brinquedos, a fim de que o profissional no contexto educacional possa ter um papel ativo diante do educando para direcionar o fluxo energético.

Como psicólogos atuando em saúde mental infantil, deparamo-nos diariamente com o conflito: criança e escola, que se mostra através da dificuldade que a criança encontra na aquisição de um novo conhecimento e a sua falta de motivação para ele. Em contrapartida, confrontamo-nos com a escola e os professores, cuja meta é transmitir esse conhecimento para uma criança que não apresenta o desejo do saber.

Como temos consciência dos conflitos psíquicos apresentados anteriormente ao processo de aprendizagem, formados no desenvolvimento da personalidade, constatamos a impossibilidade de muitas crianças para a aquisição da alfabetização, por se apresentarem bloqueadas, ou seja, não terem espaço psíquico para novas aquisições.

Em nosso trabalho, tomamos o cuidado para não ter uma visão unilateral do processo de aprendizagem da criança; por isso buscamos integrar as questões sociais e institucionais, como pertencentes a esse processo, buscando resgatar a integração da relação criança, escola e professor, numa totalidade do processo de aprendizagem.

Esse percurso, mostrou-nos vários tipos de trabalhos que se referem ao problema, com várias justificativas, desde a formação dos conceitos da aprendizagem, ou por professores não preparados, ou conflitos familiares, ou alunos com déficit de quociente de inteligência (Q.I.), sempre justificativas intrigadas num jogo político e social. Temos consciência da existência do problema e da necessidade de a escola e seus profissionais exercerem um papel ativo para a superação destes conflitos.

Com essas demandas, nosso enfoque pretendeu efetuar uma proposta de técnicas facilitadoras da aprendizagem, visando a criança e sua relação com o professor, que podem estar sincronizados nessa relação, para que o processo ocorra.

Norteados pela visão reichiana e por ser um trabalho de cunho pedagógico e profilático, não estamos baseados em conceitos que facilitam o processo de consciência do conflito da criança, apenas direcionamos nosso objetivo para a mobilização da energia vegetativa do organismo, por intermédio do fluxo do brincar.

Nesse sentido, o que visamos foi a criação de condições para a criança brincar no contexto escolar, direcionando o fluxo libidinal ou energético, por meio do lúdico e propiciando ansiedades necessárias para o desenvolvimento psíquico da criança. Para atingir esse objetivo, entendemos que o educador também deve sentir e vivenciar o brincar, para ter consciência de que o brinquedo representa o corpo e de que a criança está fusionada a essa energia e de que o papel do educador é apenas de facilitador para que ocorra esta transfusão de energia através do brincar.

Este trabalho teve como proposta descongelar a energia vital do educador conjuntamente com a criança, com o uso de técnicas facilitadoras do processo de aprendizagem, para maior satisfação nas atividades e diminuição das ansiedades naturais do desenvolvimento psíquico, tornando-as capazes de mobilizar a energia nos níveis psíquico e somático.

Como fazemos uma associação do fluxo libidinal com o brincar, estamos capacitando o organismo a ampliar sua capacidade energética.

Os resultados permitem reafirmar o brincar como grounding, pelo fato de cada brinquedo possuir sua carga energética e capacitar a criança a mobilizar conteúdos saudáveis inerentes ao seu processo de desenvolvimento psíquico. Como o brincar favorece o clímax dessa energia, essa descarga possibilita o bem-estar, trazendo uma sensação agradável e de alegria. O brincar é um agente facilitador para o processo de equilíbrio energético.

Associamos à proposta reichiana, o uso do corporal, às técnicas lúdicas como forma de favorecer o desenvolvimento da personalidade da criança, em um contexto educacional.

Como “a criança é corporal, portanto não está tão aprisionada em suas couraças como o adulto, ela se expressa”. (ROCHA, 1998, p. 11). Este trabalho teve o objetivo de aprofundar o conceito de Reich expresso na fórmula da vida, pressupondo uma circulação energética sem obstáculos, que é expressa na fórmula do orgasmo: tensão, carga, descarga e relaxamento.

Nesse momento de crise social, a indiferenciação e desmotivação no processo de aprendizagem podem sugerir que a criança encontra-se confusa e regredida em seus impulsos primários, e que não se encontra identificada com um impulso natural agressivo, de busca de um movimento e de satisfação, para uma necessidade vital, pois crescer significa lutar e competir.

Como essa criança poderá identificar-se construtivamente com o processo de aprendizagem, se está afetada em sua condição primária vital? O que fazer com o processo educacional, se não temos acesso a todas as crianças? Essas questões nos fazem sentir muita impotência, pois devemos ter uma visão mais ampla a fim de atingirmos o processo educacional.

Podemos considerar um sistema educacional e familiar enfraquecido, encouraçado formando atitudes débeis de ego, ocasionando um sistema depressivo, pelo desconhecimento da realização do prazer, com distorções das próprias sensações e percepções. Como Reich aponta “[...] a estrutura de caráter é o processo sociológico congelado de uma dada época”. (REICH, 1979, p. 18).

Ou, como aponta Melanie Klein (1975), todas as crianças passam por um processo neurótico, apenas diferindo de intensidade os sintomas. Essa é a importância do trabalho para facilitar o processo de desenvolvimento psíquico.

Esse processo pode ser vivenciado na escola se o papel do educador na relação psicopedagógica favorecer a expressão dos afetos e/ou emoções do educando, propiciando a liberação da capacidade respiratória e conseqüentemente da aprendizagem. Nesse sentido é fundamental que o professor passe por esse processo e reconheça em si a sua criança bloqueada e recalcada em um mundo sem significado, impedindo-o de desempenhar o seu papel como educador, que promova amor e alegria.

Consideramos necessário a direção da escola selecionar o professor a ser treinado, principalmente pelo fato de que o espaço “brincar” é excluído na primeira série, sendo apenas relevante no horário do recreio.

Como associamos que, no brincar está presente o nível de carga de energia, procuramos direcioná-la para o seu aumento, em busca de seu clímax, auxiliando um processo de descarga vegetativa, sem que necessariamente a criança precise mobilizar para a consciência os seus conflitos, mas possa favorecer uma sensação de bem-estar e de alegria. Com esse processo, podemos facilitar o amadurecimento psíquico e a integração do ego da criança e, dessa forma, estaremos propiciando o processo natural de auto-regulação do organismo. Assim estamos intervindo no aspecto psíquico e somático, encorajando o sentimento de unidade do corpo.

Essa é também uma forma de educação que a escola pode propiciar.

No trabalho terapêutico, temos como objetivo trabalhar a dissolução das resistências, para entrar em contato com o conflito, o qual depende da maleabilidade das couraças. No educar, a intervenção deve mobilizar a energia para ocorrer o processo de metabolização, visa portanto, à restauração do prazer no ato educativo – promover encontros de seres desejantes de ensino e aprendizagem, que deseja que esse fenômeno possa ser vibratório.

Essa vibração possui um tom, um som, e que o treino do professor para falar criativamente é o aprendizado do amor, é a linguagem do som que vai tocar o coração da criança. A sensibilidade do professor desenvolverá o processo de “nutrição vital” para o fluxo de energia. Assim, seremos continentes para nossas emoções, atingirmos o fluxo cósmico e reconheceremos o nosso papel ativo de transformadores.

Ou como aponta Eva Reich (1998, p.39) “A auto-regulação é um princípio amplo, abrangente: chamo-o de democracia em todos as relações sociais, na família, na escola, etc. Significa que todos, tanto os componentes de um sistema quanto os afetados por ele, têm voz em decisões coletivas”.

 

Referências

 

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